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PRONOME DE TRATAMENTO



Sou uma estressada incorrigível, por isso mesmo não iria deixar barato a mensagem de texto enviada pela concessionária de meu automóvel chamando-me de “Senhor”.

Desculpava-se a atendente, autora da missiva, alegando que a mesma já chegou até ela formatada no masculino.

A destinatária, no caso eu, atendo pelo nome de Maria.

Acho difícil, até biblicamente falando, que tal nome próprio tão carinhosamente escolhido pelos meus avós possa suscitar dúvida quanto ao meu gênero. Afinal, não me chamo Ivani, Darci ou Adalcy, o que em parte poderia justificar dificuldade no envio.

Perguntei o motivo de não padronizarem, então, o texto no feminino. O que pensariam os homens ao receberem um comunicado chamando-os de “Senhora”?

Mão na cintura.

Fiz tempestade em copo d’água?

Possivelmente não. Nem ventei ainda.

Se prestarem bem atenção é assim que começa. Por aí passa todo o resto.

Quando não nos importarmos com o pronome de tratamento acabamos por aceitar tudo.

Acatamos a invisibilidade imposta.

Concordamos em ser base ao invés de fundamento.

Pagamos com inibição e licença a escusa ao assédio.

Aceitamos o tratamento de coadjuvante sem nem cogitarmos fazer teste para atriz principal.

E nada disso de eminência parda. De estar sempre atrás de um grande homem.

Nem atrás, nem na frente, nem ao lado. Quem determina o lugar que quero ocupar na desorientada bússola da civilização da humanidade sou eu.

A natureza manifesta em mim não difere das demais formações vivas. Minhas células se juntaram para formação única.

O século XVIII ainda pulsa. Ser fêmea incomoda os detratores de nossa espécie.

Grito mesmo. Minha voz é aguda. Meu som é alto assim como meu salto.

Respeite-me. Já esperei demais.

Chega de morrer sem querer.

Nasci para ser e não apenas para sobreviver.

Vou viver e você vai me ver florescer com “a” de:

vida, de

fêmea e de SENHORA.





Imagem: elaborada pela autora

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