Após o alívio em terminar sua tese de mestrado saiu para comemorar. Há tempos não se divertia assim.
Bebeu todas, dançou e fez muito sexo.
Na segunda-feira de manhã, sentindo-se empoderada resolveu usar vermelho. Não era sempre que estava com energia vital suficiente para sustentar tal cor, mas a ocasião assim permitia.
Colocou o vestido vermelho ressuscitado do armário, perfumou-se e saiu para mais um dia de trabalho.
Na rua percebeu os olhares. A princípio achou que estava arrasando, muitos deles eram de positividade e admiração. Entretanto outros tantos carregavam uma sensação de crítica velada e repreensão que ela não conseguia entender.
Ficou um tanto quanto amuada curvando os ombros antes eretos e impávidos.
No final do dia retornou para casa com uma sensação estranha de fracasso e desânimo.
Refletiu que o vermelho não reverberou nas ruas a sensação de seu maravilhoso final de semana.
Pegou-se pensativa, concluindo que tais sensações não passavam de impressões imaginárias e inconsistentes de alguém que havia estado fora do mundo, por assim dizer, neste último ano.
Dia seguinte, com a entrada da primavera, colocou uma blusinha amarela que havia ganhado de presente de aniversário de sua querida afilhada.
Arrumou-se e foi para o trabalho como fazia todos os dias. Desta feita ficou mais atenta aos olhares alheios. Sentiu igualmente o mesmo desconforto. Olhares de críticas, semblantes fechados em especial das mulheres. Não deixou de perceber que os homens pareciam gostar mais da blusa amarela do que do vestido vermelho do dia anterior. Vai entender. Pensou.
Assustou-se mesmo foi quando passou diante da estátua viva de um cowboy pintado de dourado e este lhe fez uma careta.
Tremeu. Seu coração apertou no peito. Foi comigo isso? Pensou.
Sem sombra de dúvida alguma coisa estava acontecendo e só ela não sabia o que era.
O envolvimento com a tese tinha feito com que se desconectasse do mundo ao redor. Não assistia TV, não acessava noticiários, só lia e ouvia assuntos com temas pertinentes à sua área de especialização. Encucada resolveu se conectar.
Percebeu-se no meio do pleito eleitoral com um binarismo ferrenho dominando a política nacional, refletindo uma forte conexão com as cores, em especial a vermelha e a amarela.
Não foi difícil inferir o porquê da reação nas ruas às suas vestimentas.
Havia estado alienada, abduzida por seus projetos, e portanto, desligada de sua vida cidadã.
Por precaução, cautelosa em suas escolhas e determinada por contribuir com a nação de forma consciente, tomou uma decisão.
Até o término do processo eleitoral só iria usar preto.
Preto é ausência de cor, e de certa forma transmite uma mensagem intrínseca de que talvez o luto será necessário.
“No creo em brujas, pero que las hay, las hay”.
Imagem: Unsplash/Jessica Furtney