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GLÚTEOS


Ela foi capturada. Sucumbiu. Choramos e uivamos sua ausência.

Ao longo da história fomos seguidamente roubadas, esbulhadas, queimadas, impingidas a transformar nossos ciclos naturais à força, na mais pura artificialidade, somente para atender aos anseios dogmáticos impostos pela sociedade.

Presa fácil da atividade predatória de nossa cultura, viu-se soterrada no excesso de domesticação, a que nós mulheres fomos ao longo dos séculos obrigadas a nos submeter.

Os glúteos deveriam servir em princípio para sentar, creio eu. Mas dizem os entendidos que também possuem função de sustentação do quadril e colaboração no movimento das pernas.

Somos bípedes, isso deu muita valorização ao monte protuberante na parte traseira de nossa anatomia causando muito furor.

Foi assim com Sarah Baartman, mulher negra, cruelmente vilipendiada e explorada por conta de suas nádegas.


O aviltamento de Sarah não morreu. Continua vivo na objetificação e estereotipação da mulher em nosso mundo. Digo mulher, e não fêmea, pois esta em sua concepção biológica natural consegue, em geral, fugir da caça devastadora a que estão submetidas suas companheiras em espécie. Imagino.

A mulher velha é relegada ao ostracismo. Esta nem precisa de glúteos, segundos os mandamentos vigentes. Nem se fala dela. É assunto que deve ser esquecido e devidamente arquivado. Imaginar uma mulher velha nua então – pecado mortal.

Assisto a todo este episódio com o olhar de quem está menos preocupada com a prisão do colaborador de estereótipos, e mais com a mensagem subliminar do por que precisamos de glúteos grandes, peitos grandes, boca grande, tudo grande.

Aqui nem é a Mauritânia.

Afinal, a quem interessa o culto à bunda grande? À humanidade infringente. À sociedade aparente. Ao meu gosto esteta. Ao incremento da minha vida sexual. Aos meus devaneios narcisistas projetados no espelho do teto do quarto do motel. À felicidade intrínseca de no futuro me enxergar velha, com tudo caído, mas de glúteos duros.

Conjecturas na evanescência da vida. Tão somente.

Mas ainda assim prefiro comer a maçã da Iduna a levar injeção na bunda.

Imagem: Unsplash - Alice Alinari


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