Avassaladora, esta era a emoção dominante mesmo depois de cinco anos de casamento.
Dizem que corpo humano algum suporta tal emoção por mais de seis meses. Com ela era diferente.
Toda vez que avistava Miguel nu seu coração disparava. E isso não tinha qualquer relação com sua aparência física, gordo ou magro.
Era ele. Vinha dele a tormenta que crescia em seu corpo e alastrava para sua alma. Desde que o conheceu sua vida virou de ponta cabeça. Seus dias eram vividos somente para ele ou por ele. Miguel era seu sol, seu chão, seu tudo. A consequência natural de tudo o que fazia era a mesma: Miguel.
O casamento transcorria com a mesma energia de quando começou. Paixão, sexo e tesão, ingredientes certos da receita que os amigos acreditavam ser uma bomba preparada para explodir a qualquer momento. Não os levava a sério. Acreditava ser inveja daqueles que não possuíam ou não podiam entender o que ela tinha e vivia.
Tudo ruiu no dia em que após estes delirantes cinco anos, dois meses e nove dias de casados, na intimidade do lar, arrumando-se no banheiro para uma festa, viu Miguel saindo do banho. Cabelo molhado cheirando a xampu caro, toalha em torno do pescoço, membro semiereto.
Percebeu naquele instante que nada sentiu. Nada. Absolutamente nada. Desesperou-se.
A ausência de sentimento perturbou-a a ponto de acarretar uma intensa crise de pânico agravada por taquicardia e falta de ar. Custava a crer nesta ausência concebida.
O apavoramento diante do nada foi tão gigantesco que acabou por redundar num surto psicótico de proporções inefáveis, causa atestada em seu obituário como motivo de seu passamento.
Obs.: Texto oriundo de exercício na Escola Passagens, onde as palavras: amor e morte não deveriam aparecer no conteúdo. Exercício de vinte linhas.